A Estética do Protesto e a Ética do Processo
O rumor de um grupo transbordou
em avalanches de manifestações uma semana depois, assumiu a dimensão de um movimento
inesperado e varreu o país. Um verdadeiro efeito
borboleta. Por trás dos acontecimentos destacam-se o imponderável poder das
mídias sociais, a absoluta e inesperada ausência de liderança, a extensa lista de
reivindicações e a estética do protesto.
Não bastasse a beleza da
juventude, rostos pintados, frases e cânticos alçados em grupo e as mensagens bem
humoradas dos cartazes ajudaram a compor o cenário alegre e encantador, próprio
da estética dos protestos. A bem da verdade, nem tudo foi belo. Excluídos os
fatos bizarros e as cenas abjetas, resta poesia suficiente para ser contemplada
e cuidadosamente armazenada.
Na esteira de episódios
históricos e de imagens emblemáticas fixadas na memória, indivíduos formaram multidões,
improvisaram caminhos e traçaram rotas para ultrapassar os incômodos e
adormecidos sentimentos de insignificância e de nulidade da existência. A moldura
ideal para a estética do protesto envolve participação coletiva e a sensação de
estar movendo o mundo numa dobradiça do tempo.
Desejos de realização pessoal,
anseios de mudança social, insatisfações que desconheciam causas e origem, e
não pouca indignação reprimida são ingredientes que temperam a estética do
protesto, visível do lado de fora e nem sempre acompanhada por complexas
elaborações éticas. Estética se expõe na mesma velocidade que compõe o mote de
uma reclamação, a ética se impõe aos poucos com a aclamação de princípios que se
submetem e sustentam o coletivo, ao curso de longos processos.
Mudanças saudáveis carecem de
fundamentos éticos e de valores, dispensam atalhos, apontam caminhos
consequentes, norteiam transformações sociais justas, preservam valores e prezam
pela dignidade dos sujeitos. A ética não se limita ao discurso de pretensos autores,
destina-se a garantir espaço e oferecer expressão a muitos atores. Clamores estéticos
querem o novo e pra já, cabe aos rigores da ética avaliar alternativas e apontar
respostas, para além da simples novidade.
Quando crianças, acreditávamos
que o belo também deveria ser bom. Depois de adultos descobrimos que o bom nem
sempre faz bem, e nos fazem bem elementos que não se apresentam agradáveis. Aprendemos
que o cumprimento do dever, a obediência à lei e o respeito ao princípio da
autoridade, pessoalmente desagradáveis desde o primeiro instante, são imprescindíveis
para o bem coletivo e duradouro.
É
natural que todos almejem o belo, sintam-se confortáveis no cosmos e deslocados
no caos. Mas a harmonia social não se estabelece ao acaso, envolve respeito às regras
e reconhecimento ao direito dos outros. Atos de indivíduos e grupos compõem uma
estética admirável quando ajudam a conservar em ordem a casa maior que nos acolhe
e nos compete manter habitável.
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