quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Caroço

flickr









Caroço é sem encanto,
Apenas sobra do fruto,
Resto pra não guardar.

Caroço guarda surpresa:
Útero de outras árvores,
Matriz de muitos sabores.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Doce Limite

espada


A deusa com quem sonhei
Vestiu-se de pele e alma na mulher que eu encontrei.

Esbocei meu desgosto,
Até descobrir em seus limites, muito mais do que sonhei.




sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Abismos e pontes


Abismos

Dilaceram corpos gementes de dor:
No absoluto desencontro de almas.

Pontes

Avizinham almas dormentes de prazer:
No transitório encontro de corpos.


sábado, 10 de agosto de 2013

SERIAL LOVER


Na primeira vez amou com recato
A segunda com impudica paixão
A muitas possuiu com desvelo
Outras por momentânea satisfação

Amou por carência e carinho
Rendeu-se ao amor popular
Seduziu jovens e maduras
Provou do belo, do bizarro e do vão

Amou por destino e com arte
Por capricho e ausência de sorte
Como quem nada mais busca
Senão a deusas em casta veneração

Deixou o enfado à caça de vida
Com virtudes e vícios de amante
Quis a alma e o corpo em chamas
Do amor fez culto e de amar obsessão 

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O PAPA, A FREIRA E O SÍMBOLO


tribunahoje


O Papa Francisco trouxe brisa amena ao inverno carioca e alívio aos brasileiros. Logo se transformou em unanimidade, rara nos últimos tempos. Com gestos de simpatia, pregação solidária e persuasivas expressões de simplicidade, mobilizou a juventude, aglutinou em torno de si pessoas de todas as idades e revigorou a fé quase esquecida. Alimentada por temas e imagens favoráveis a mídia e o povo esqueceram-se temporariamente as dores para ver Papa passar. Por uma semana foi removida a poeira que cobre as imagens e os ritos religiosos, e muitos se descobriram sensíveis e devotos.

A freira era jovem e passava discreta pela sala de espera do aeroporto. Mal seria notada, não fossem as vestes escuras e pouco habituais. Mas foi o olhar perplexo da criança que distraia a espera brincando, que a destacou. Ao vislumbrar aquele hábito, ativou a singela rede de associações que trazia na mente e misturando encanto e espanto, anunciou: Mãe; olha Deus passando ali!

O símbolo nos ajuda a entender estes fenômenos. A mente tenra e adulta não cessa de criar imagens e fazer ligações que nos transportam para além dos fatos e das coisas concretas. Através do processo de simbolização, realidades imediatas recebem sentidos extraordinários e tornam-se mediadoras de poderosas energias arquetípicas. Tornam-se símbolos os elementos que transformam a energia psíquica de alta voltagem, armazenada em nosso inconsciente, na força que comove a consciência e move processos que nos fascinam e, frequentemente, nos dominam. Assim a imagem da freira representou o mistério que fascina a mente infantil, o papa despertou lembranças do divino e pôs o sagrado, que costuma viver recluso, a peregrinar pela consciência coletiva dos brasileiros.

Amauri Munguba Cardoso


sexta-feira, 19 de julho de 2013

EFEITO BORBOLETA


livrevozdopovo

A Estética do Protesto e a Ética do Processo

O rumor de um grupo transbordou em avalanches de manifestações uma semana depois, assumiu a dimensão de um movimento inesperado e varreu o país. Um verdadeiro efeito borboleta. Por trás dos acontecimentos destacam-se o imponderável poder das mídias sociais, a absoluta e inesperada ausência de liderança, a extensa lista de reivindicações e a estética do protesto.

Não bastasse a beleza da juventude, rostos pintados, frases e cânticos alçados em grupo e as mensagens bem humoradas dos cartazes ajudaram a compor o cenário alegre e encantador, próprio da estética dos protestos. A bem da verdade, nem tudo foi belo. Excluídos os fatos bizarros e as cenas abjetas, resta poesia suficiente para ser contemplada e cuidadosamente armazenada.

Na esteira de episódios históricos e de imagens emblemáticas fixadas na memória, indivíduos formaram multidões, improvisaram caminhos e traçaram rotas para ultrapassar os incômodos e adormecidos sentimentos de insignificância e de nulidade da existência. A moldura ideal para a estética do protesto envolve participação coletiva e a sensação de estar movendo o mundo numa dobradiça do tempo.

Desejos de realização pessoal, anseios de mudança social, insatisfações que desconheciam causas e origem, e não pouca indignação reprimida são ingredientes que temperam a estética do protesto, visível do lado de fora e nem sempre acompanhada por complexas elaborações éticas. Estética se expõe na mesma velocidade que compõe o mote de uma reclamação, a ética se impõe aos poucos com a aclamação de princípios que se submetem e sustentam o coletivo, ao curso de longos processos.

Mudanças saudáveis carecem de fundamentos éticos e de valores, dispensam atalhos, apontam caminhos consequentes, norteiam transformações sociais justas, preservam valores e prezam pela dignidade dos sujeitos. A ética não se limita ao discurso de pretensos autores, destina-se a garantir espaço e oferecer expressão a muitos atores. Clamores estéticos querem o novo e pra já, cabe aos rigores da ética avaliar alternativas e apontar respostas, para além da simples novidade.

Quando crianças, acreditávamos que o belo também deveria ser bom. Depois de adultos descobrimos que o bom nem sempre faz bem, e nos fazem bem elementos que não se apresentam agradáveis. Aprendemos que o cumprimento do dever, a obediência à lei e o respeito ao princípio da autoridade, pessoalmente desagradáveis desde o primeiro instante, são imprescindíveis para o bem coletivo e duradouro.

É natural que todos almejem o belo, sintam-se confortáveis no cosmos e deslocados no caos. Mas a harmonia social não se estabelece ao acaso, envolve respeito às regras e reconhecimento ao direito dos outros. Atos de indivíduos e grupos compõem uma estética admirável quando ajudam a conservar em ordem a casa maior que nos acolhe e nos compete manter habitável.